Tem sido controversa e vindo a público a discussão sobre se é ou não obrigatório uso de máscara em farmácias, tendo-me sido solicitado que me pronunciasse.
Especialmente, quando a Associação Nacional de Farmácias, emite uma circular, ano 0110-2022 datada de 22 de Abril , e assinada pela “direção”, em que se pronuncia pela obrigatoriedade deste EPI “…no interior da farmácia”.
Sublinho que este comunicado, nem sequer foi emitido pela Ordem dos Farmacêuticos, o que não deixa de ser estranho até pelo facto de a Ordem visada, não se ter pronunciado sobre esta questão e ao invés ter vindo a “terreiro”, a Associação Nacional de Farmácias.
E muito menos pode algum dia este comunicado emanado por esta Associação, ser
considerado como Lei, ou ter algum tipo de força legal. Naturalmente que para efeitos de se aferir a legalidade desta questão, pouco importa, que este comunicado tivesse sido emanado pela Ordem dos Farmacêuticos ou pela Associação Nacional de Farmácias, como o foi.
Vamos então analisar o Decreto-Lei no 30-E/2022 de 21 de Abril, que se não me engano procedeu à trigésima nona ou quadragésima alteração do Decreto-Lei no 10-A/2020 de 13/3, e que já há muito tempo não está em vigor, nomeadamente ao seu artigo 13o B, questão esta, a da falta de vigência do Decreto-Lei no 10-A/2020 de 13/3, que por já me ter pronunciado diversas vezes não o repito mais, bem como a da absoluta inconstitucionalidade material do Decreto-Lei no 30-E/2022 de 21 de Abril, podendo apenas ser objeto de debate, a constitucionalidade orgânica do acima referido diploma legal, pouco relevando para a questão.
Assim, o artigo 13o-B, no 1 alínea g) do Decreto-Lei no 30-E/2022 de 21 de Abril, dispõe que é obrigatório o uso de máscara em: “Estruturas residenciais ou de acolhimento ou serviços de apoio domiciliário para populações vulneráveis, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como unidades de cuidados continuados integrados da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados;”
Naturalmente que a expressão utilizada pelo legislador de “unidades de cuidados continuados integrados da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados”, não foi a mais feliz, ou talvez sim, e tenha servido precisamente para a polémica instalada”.
O legislador podia e devia ter utilizado outra ou outras expressões, mais usuais e de maior compreensão para a população em geral e que não domina nem tem de dominar a hermenêutica jurídica, como por exemplo, a de “hospitais” e “centros de saúde”, ou outras similares e assim ter evitado esta questão.
Vamos então verificar, como ponto de partida elementar, os CAE ́s quer das farmácias, quer das atividades de prática médica de clínica geral em ambulatório, uma vez que a expressão não inocente, utilizada no Decreto-Lei . n.o 30-E/2022 de 21 de abril, foi como já vimos a de “unidades de cuidados continuados integrados da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados” e para a qual não existe um CAE específico, pelo que o CAE que prossegue a atividade em questão é o referente a “Centros de Saúde” com o CAE 8621
FARMÁCIAS:4773 COMÉRCIO A RETALHO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS, EM ESTABELECIMENTOS ESPECIALIZADOS 47730 Compreende todos os medicamentos de uso humano (sujeitos ou não a receita médica), bem como os medicamentos e produtos farmacêuticos homeopáticos.
CENTROS DE SAÚDE
8621 ACTIVIDADES DE PRÁTICA MÉDICA DE CLÍNICA GERAL, EM AMBULATÓRIO
86210 Compreende consultas e cuidados de saúde prestados por médicos de clínica geral a pessoas não internadas em estabelecimentos de saúde, públicos ou privados. Compreende também os cuidados de saúde prestados por médicos de clínica geral em centros de saúde, postos médicos, consultórios, hospitais e ainda as atividades desenvolvidas por médicos de clínica geral, independentes em empresas, escolas, lares, sindicatos ou outros locais.
Fácil é de ser verificado, que as farmácias prosseguem uma atividade comercial, excluídas portanto do conceito do diploma legal objeto de análise. Mais ainda, estas, as farmácias têm um diretor clínico e não estão sujeitas a licenciamento na ERS (Entidade Reguladora da Saúde) a não ser que prestem “cuidados de saúde”, tais como administração de medicação subcutânea, incluindo vacinação, tratamentos e avaliações de glicémias capilares, colesterolémia, bem como a prestação de serviços de enfermagem por enfermeiros em farmácias entre outros.
Esta posição resulta de um pedido de esclarecimento realizado pela Ordem dos Enfermeiros ao Ministério da Saúde, ao Infarmed e à ERS, ao qual a ERS responde emitindo um parecer em 29 de Agosto de 2014, referindo sumariamente o seguinte: sempre que se verificarem a prestação de cuidados de saúde como os acima descritos, os cidadãos devem verificar se estas farmácias se encontram licenciadas para o efeito na ERS e caso não estejam licenciadas, devem comunicar estas denuncias à ERS e à Ordem dos Enfermeiros.
Esta orientação foi aliás sufragada num comunicado emitido pelo bastonário e o Conselho Diretivo da Ordem dos Enfermeiros em 21 de Outubro de 2014. Assim e concluindo, e com a exceção que ressalvei e que é residual, uma vez que a esmagadora maioria das farmácias não presta cuidados de saúde e como tal não está registada e licenciada na Entidade Reguladora da Saúde e objeto também de fiscalização pelo IGAS (Inspeção Geral das Atividades de Saúde) mas sim uma atividade comercial que consiste na dispensa e venda de medicamentos com e sem receita médica, não pode ser obrigatório o uso de máscaras em farmácias, sendo a sua imposição a um utente completamente ilegal e abusiva.