Resolução do Conselho de Ministros no 91-A/2021, publicada no Diário da República no 132/2021, 1o Suplemento, Série I, de 2021-07-09
É do conhecimento geral, que esta “Resolução” restringiu importantes direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, invocando-se como argumento, um “Estado de Calamidade”, devido a “fase de aumento do nível de incidência, do número de infetados e do número de internados…”, pelo que ”…continua a justificar-se a vigência da situação de calamidade…” Assim, e com este fundamento de “calamidade pública”, que não encontra respaldo na Lei, e inexistindo na Constituição da República Portuguesa, o que se considera por “calamidade pública”, mas apenas na Lei de Bases da Protecção Civil, Lei no 27/2006, que estatui no seu artigo 21o, todos os requisitos para que uma situação de calamidade, possa ser decretada por resolução de Conselho de Ministros, facilmente se percebe, que os direitos fundamentais ora colocados em grave crise, com esta resolução, que entrou em vigor no dia 10 de Julho, nada têm a ver, com a definição legal consagrada.
Senão vejamos o que dispõe este artigo 21o da Lei no 27/2006 de 2006-07-03:
Artigo 21.o
Ato e âmbito material de declaração de calamidade
1 – A resolução do Conselho de Ministros que declara a situação de calamidade menciona expressamente:
a) A natureza do acontecimento que originou a situação declarada;
b) O âmbito temporal e territorial;
c) O estabelecimento de diretivas específicas relativas à atividade operacional dos agentes de proteção civil e das entidades e instituições envolvidas nas operações de proteção e socorro;
d) Os procedimentos de inventariação dos danos e prejuízos provocados;
e) Os critérios de concessão de apoios materiais e financeiros.
2 – A declaração da situação de calamidade pode ainda estabelecer:
a) A mobilização civil de pessoas, por períodos de tempo determinados;
b) A fixação, por razões de segurança dos próprios ou das operações, de limites ou
condicionamentos à circulação ou permanência de pessoas, outros seres vivos ou veículos;
c) A fixação de cercas sanitárias e de segurança;
d) A racionalização da utilização dos serviços públicos de transportes, comunicações e abastecimento de água e energia, bem como do consumo de bens de primeira necessidade.
3 – A declaração da situação de calamidade determina o acionamento das estruturas de coordenação política e institucional territorialmente competentes.
4 – A declaração da situação de calamidade implica a ativação automática dos planos de emergência de proteção civil do respetivo nível territorial.
E quais os direitos fundamentais, que com esta resolução foram gravemente
afetados, pergunta-se?
Desde logo, um dos mais importantes, o “Princípio da Igualdade”, consagrado no artigo 13º da nossa Lei Suprema, que dispõe que:
1.Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
De referir também o artigo 25o, que consagra o “Direito à integridade pessoal”, como sendo inviolável, bem como o “Direito de deslocação e de emigração”, plasmado no seu artigo 44º.
Importa ainda referir, o artigo 26o que nos seus nos 1 e 2 consagra o direito “a todos” de protecção legal contra quaisquer formas de descriminação, e proibindo a obtenção e utilização abusivas de informações relativas às pessoas e famílias, dispondo o seguinte:
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.
Por outro lado, o artigo 19º da nossa Constituição, estabelece em que específicas condições, alguns destes direitos, podem ser suspensos, nomeadamente quanto à sua proporcionalidade e adequação (no 4) e fundamentação (no 5), excluindo-se expressamente, da Declaração de Estado de Emergência os direitos à vida, integridade pessoal, à identidade, a capacidade civil e à cidadania, entre outros.
Ora, surge “logo à cabeça” das exceções, este direito à integridade pessoal, como um daqueles, que nem em Estado de Emergência, pode ser suspenso.
E o que dizer do conceito de “direito de cidadania” que também nunca pode ser
suspenso em Estado de Emergência?
Quais os direitos constitucionalmente consagrados, que aqui se incluem?
Este conceito algo vago e impreciso, e que deixa “margem” para que a doutrina de alguns ilustres comentadores e constitucionalistas da nossa praça, pertencendo ao “Partido Único do Sistema”, ou com ambições para tal e que governa Portugal há 47 anos, tecerem os mais variados comentários, como o absurdo, de poderem considerar, os preceitos constitucionais, acima referidos e outros, como sendo passíveis de serem suspensos, em caso de declaração de estado de emergência ou de não serem incluídos, nos chamados “direitos de cidadania”!
Não. Não são nunca suspensos, nem em caso de declaração de estado de emergência.
Em minha opinião e para que fique bem claro e sem margem para dúvidas, toda a Parte I, e os Títulos I e II, da Constituição da República Portuguesa, não podem nunca ser suspensos, repito, nem em declaração de estado de emergência.
Por outro lado e ainda, a Lei no 44/86 de 30 de Setembro, que regulamenta o Regime de Estado de Sítio e de Emergência, é bem clara e expressamente estabelece no seu artigo 2o, elencando o direito de cidadania e de integridade pessoal, como aqueles que nunca podem ser afetados, pela declaração do estado de sítio ou de emergência.
E será que a obrigatoriedade de se apresentar um Certificado Digital Covid da EU ou de um teste com resultado negativo, a realizar nos termos dessa mesma resolução, como condição para se “frequentar e permanecer” num restaurante, apenas aos sábados, domingos e feriados, bem como às sextas-feiras a partir das 19h, não viola profunda e gravemente, os princípios e direitos constitucionais, acima referidos e que repita-se, nem em Estado de emergência podem ser suspensos!?
Claro que sim!
E será que a apresentação do Certificado Digital Covid da EU ou de um teste com resultado negativo, para se ter acesso a estabelecimentos turísticos ou de alojamento
local, localizados em território nacional continental, e independentemente do dia da
semana ou do horário, não viola também os mesmos sacrossantos princípios e direitos
constitucionais!?
Claro que sim!
Em minha opinião, não é preciso invocar-se “ad nauseam”, que não estamos em estado de emergência, mas sim de calamidade, e duvidosa, para que estes direitos e princípios constitucionais possam ser suspensos, e da maneira como o foram.
Ao contrário da opinião ou das “opiniões que contam” que tenho lido “por aqui e por ali”, que ou referem, que esta resolução é apenas organicamente inconstitucional, mas não materialmente (!?) e que “…como estamos em estado de calamidade e não de emergência”, não poderiam ser decretadas!
A última questão que se nos depara, é: qual o valor como Fonte de direito, desta “resolução do Conselho de Ministros” apurada que está em meu entender, a sua completa inconstitucionalidade material e orgânica?
E temos a resposta no artigo 112o da Constituição da República Portuguesa, que reza o seguinte:
Artigo 112.º – (Actos normativos)
1. São actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais.
2. As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos.
3. Têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas.
4. Os decretos legislativos têm âmbito regional e versam sobre matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da respectiva região autónoma que não estejam reservadas aos órgãos de soberania, sem prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 227.º
5. Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.
6. Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes.
7. Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão;
8. A transposição de actos jurídicos da União Europeia para a ordem jurídica interna assume a forma de lei, decreto-lei ou, nos termos do disposto no n.o 4, decreto legislativo regional.
Ou seja, esta resolução do Conselho de Ministros, apenas tem a forma de meros “regulamentos” desde que, quando tal seja determinado pela lei que regulamentam!
Mas qual é a Lei que regulamentam, no caso vertente a desta “resolução”!?
Desconheço a existência de uma Lei ou de um decreto lei, anterior, que tenha disposto alguma matéria, relativamente à imposição de condutas para o cidadão comum e não só, para que o mesmo possa entrar, e permanecer, apenas em determinado horário e em específicos dias da semana, em estabelecimentos de restauração e de hotelaria ou de alojamento local!
Conclusão: esta resolução do Conselho de Ministros no 91-A/2021, publicada no Diário da República no 132/2021, 1o Suplemento, Série I, de 2021-07-09, nem a forma de “regulamento” tal como constitucionalmente é consagrado, reveste.
É apenas e tão só, uma mera “recomendação”!
E que eu não “recomendo”!
São momentos terríveis que a Democracia portuguesa atravessa, e que nunca tal no passado tinha acontecido, mas estejam todos certos, que o Estado de Direito Democrático vingará e que a nossa Lei Suprema, sairá vencedora desta batalha.